“Aspirações, a vida mesma vão-se na rapidez de uma corrida, onde todo esse complexo de misérias e desejos, de crimes e virtudes que se chama a existência se joga numa parelha de cavalos!” Noite na Taverna, Álvares de Azevedo.
Este livro tanto tempo em minha estante… De súbito, o abro. Não, o devoro: Noite na Taverna, Álvares de Azevedo, Editora Ediouro, 1997.
Adonias Filho, na apresentação, diz que este livro “não seria escrito fora do romantismo, poderá ser verdade, mas é o gênio de Álvares de Azevedo que o sustenta em sua duração no grande processo renovador da literatura brasileira” (p. 5). No primeiro capítulo, Uma noite do século, quatro homens em uma taverna embriagados – “Espiritualista, bebe a imaterialidade da embriaguez!” – travam uma discussão filosófica. Alma? “a imortalidade da alma? pobres doudos! e por que a alma é bela, por que não concebeis que esse ideal possa tornar-se em lodo e podridão, como as faces belas da virgem morta, não podeis crer que ele morra?” (p. 14). Vida? “a vida não é mais que a reunião ao acaso das moléculas atraídas (…)”. Deus? “crer em Deus!?… sim! como o grito íntimo o revela nas horas frias do medo, nas horas em que se tirita de susto e que a morte parece roçar úmida por nós!” (p. 15). Ciência? ” a ciência é falsa e esquiva, que ela mente e embriaga como um beijo de mulher” (p. 16). Poesia? “Meio cento de palavras sonoras e vãs que um pugilo de homens pálidos entende, uma escada de sons e harmonias que àquelas almas loucas parecem ideias e lhes despertam ilusões como a lua às sombras… Isso no que se chama os poetas” (p. 48).
Embebidos nesta visão pessimista, cada qual conta sua historia, um conto em cada capítulo. Álvares de Azevedo poeta, “e poeta ainda quando escreve os contos” (p. 6). Adonias Filho os chamam de fantásticos de fundo trágico. Eu diria de terror, sobrenatural: cadáveres povoam todas as páginas, canibalismo, rapto, traições, orgias, libertinagem, incesto. Narradores homens, a mulher é que sempre desencadeia os fatos, e mais como vítimas. A morte e vida num duelo constante. O amor, não como salvação, e sim tragédia. Crueldade encoberta com pura poesia.
” (…) compreendemos afinal porque em ‘Noite na Taverna’ se abriga um reino. Um reino que não é encantado”, como afirma Adonias filho. Estes homens narradores são perseguidos pela memória. “O encontro na taverna, à noite, não acontece por acaso. Todos se embriagam, todos têm uma estória maldita, é o demônio – o demônio goetheano – quem puxa as redes do inferno” (p. 8). Das tragédias, os narradores são sobreviventes, porém mortos-vivos cheios de remorso e culpa.
Mas salva está a literatura. Este poeta constrói grandes imagens: “Quando as nuvens correm negras no céu como um bando de corvos errantes, e a lua desmaia como a luz de uma lâmpada sobre a alvura de uma beleza que dorme, que melhor noite que a passada ao reflexo das taças?” (p. 13). A poesia dá o ritmo das narrativas. Li em voz alta este grande poema. Deste poeta que morreu tão moço, aos vinte anos.
Como escreveu outro poeta, Walmir Félix Ayala, “a poesia é necessária para o contato do homem com o mistério que o rodeia. Este enigma a que o homem se lança, este dualismo de vida e morte entre cujos extremos tantos imprevistos florescem”.
De qualquer forma, brindemos, como os narradores na taverna, ao deus Baco: “Ao vinho! ao vinho!”
Léo
Realmente, pena que morreu jovem.
Beijos
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Fico impressionada como alguns, em tão pouco tempo de vida, brilham tanto.
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Ah, o vinho, que alegra nos corações e mentes, assim como a poesia e os poetas e poetisas…
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