Estou muito cansada, exausta mesmo. Um ano de confinamento no epicentro da pandemia. A angústia dos recordes diários de morte, isolamento, governo genocida, que nem deveria ter sido eleito. E as ferramentas que a humanidade construiu pulsando sem que suas potências se efetivem. Tempos difíceis. Tempo cruel.
Volto-me ao passado para ter forças. Uma das coisas que mais gosto é viajar. Sair da rotina, encarar desafios, conhecer lugares e pessoas.
Em novembro de 2019 (nossa, parece tão longínquo… outro mundo, sei lá), Saturno estava em conjunção com a Lua. Saturno visível. Resolvi viajar até Amparo, cidade do interior de São Paulo, pois tem um ótimo observatório. Meus planos eram conhecer a cidade, o observatório, ver Saturno no imenso telescópio, vislumbrar uma fresta do universo, e voltar fortalecida. Porém a vida – como cantou John Lennon – é o que acontece enquanto a gente faz outros planos.
Quando cheguei no observatório uma chuva torrencial caia: Saturno “faltou” ao encontro; estava lá no céu alinhado com a lua mas invisível pelo choro dos céus. E eu chorei também. Uma espécie de abandono, frustração, decepção…
Do percalço construí outras pontes: vi os telescópios, conversei com Carlos, o físico; Sérgio, o que apresenta a sessão do planetário… conversamos sobre o tempo, universo, filmes. Também conversei com o Paulo, que cuida do lugar, uma espécie de caseiro. Ele era agricultor, não gosta da cidade. Ali, está aprendendo sobre estrelas. Na apresentação, vi os planetas. Gosto dos nomes da mitologia, Marte, deus da guerra, Vênus, deusa da beleza, e Júpiter, lindo… Me apaixonei por Júpiter.
Fiz longas caminhadas pelo Parque Chico Mendes, vi a cidade de Amparo lá do alto. Incrível como das alturas tudo parece harmônico. Tomei uma cerveja num bar e observei as figuras da cidade. Na pequena biblioteca, que estava fechada, tinha uma árvore de natal feita de livros. Bonitinha.
Fui no museu. Várias divisões: hora de brincar, hora de plantar… A cidade se construiu no século dezenove. Plantação de café, imigrantes europeus, escravos. Fotos, instrumentos de trabalho, e o ferro que prendia os escravos, pesado, negro como eles, forte. Lembrei das lutas, quilombo, Zumbi, o homem aprisionando outro homem. O que mais gostei foram de dois painéis. De um lado, lugares, vários textos assinados ou anônimos. A maioria escreveu sobre infância. Tinha textos engraçados, saudosistas, e achei até um poema anônimo: “Em cada rua movimentada deixei/ ali um pedaço de mim”. Do outro lado um painel bonito: o que você tombaria/eternizaria. Não achei nenhuma boa resposta. O mais comum era eternizar a mãe, pai, família, essas coisas. E, num pilar, pequenos papéis te convidando a responder. Deixei lá meu bilhetinho: Eternizaria…. nada. Deixa a vida correr…
Na rodoviária de Amparo, indo embora, duas cenas. Na porta do banheiro, três cachorros grandes. Sorri para um senhor, e ele disse: estão esperando o dono. No banheiro feminino, nas portas geralmente tem escritos de putaria, mas de Amparo, mensagens de ajuda feminista: você é linda, não deixem que falem diferente; não fique num relacionamento abusivo… Amparo, vanguarda feminista, quem diria. Rodoviária de Campinas. Cheguei por volta das cinco e meia da tarde, meu ônibus para Curitiba, às sete. Meu filho e sua companheira foram me encontrar. Eles me deram um livro do astrofísico Neil de Grasse Tyson, sobre as origens do universo, das estrelas: “como você não conseguiu vê-las…”. Foi realmente uma surpresa. Muito carinhosa.
Pensei: a vida é estranha mesmo. A gente mira num alvo, acerta em outro. Como canta Doris Day no filme O Homem Que Sabia Demais (1956, Alfred Hitchcock), “o que será, será”. Eu, para enfrentar este presente trágico, preciso inventar um futuro.
Léo
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