exaurida, arrancaram minha alma e a fizeram de espelho fortalecida, tomei-a de volta Léo
Categoria: Lampejos
“Da luz que não chegou a ser lampejo…” Augusto dos Anjos.
vida é luta
a vida vira a gente de ponta-cabeça do avesso vezes fúria, furacão, terremoto ora brisa, intervalo, vírgula e a gente tentando entender dar conta de tudo até o ponto final. Léo
aberta
uma mulher longo vestido descalça cabelos compridos, cacheados, brancos senta-se abre bem as pernas e abraça com elas um violoncelo ela, o instrumento, o arco em harmonia um pássaro atraído pela melodia pousa encantado Leonilda Campos
menino
olhos, como buracos negros, sugando tudo ao redor, sedentos herói imperfeito como nós luta com a alegria de uma criança sonhando verão em pleno inverno vê as estrelas imaginando um universo povoado de seres e, insatisfeito com os limites desta vida, saboreia o prazer de uma boa conversa regada à cerveja menino travesso, o que posso te ofertar? meu coração e um pouco de poesia que sessenta anos não é mole não! Para Laércio Pereira, meu irmão! Leonilda Campos
véspera
minha casa não é mais minha morada cidade, quase um território inimigo quisera ser véspera como um berçário de estrelas hoje, cortada ao meio Léo
solidão
um cão latindo na madrugada sem dono, sem portão para entrar só acompanhado pelo porteiro da noite de um prédio de apartamentos que o deixa ali vigiando outros solitários a ave rara a planta singular o animal quase extinto o que está no topo este planeta azulzinho talvez este universo talvez um disco voador... e a solidão de quem traça estas linhas tecendo poema como companheiro Léo
conto
o pássaro, na madrugada, começa seu canto para que os humanos acordem sob seu manto melódico ninguém presta atenção vida apressada uns, pela labuta da sobrevivência outros, voltados para sua vida medíocre ninguém presta atenção o pássaro toma a cor das folhas secas... entristeceu e ninguém presta atenção mas o pássaro não prestou atenção no poeta que o cortejou da janela o poeta ficou tão encantado com o pássaro e sua canção que fez um poema Léo
vento selvagem
redemoinho mudando tudo sem nada transformar o novo cheirando mofo e a gente querendo a explosão do fruto Léo
Calçada
Folheando ao acaso uma revista antiga, deparo-me com um fato que parece arte.
Uma mulher, mãe de duas filhas, formada em Letras, em um casamento abusivo. O marido a agredia sistematicamente. Não por agressão física, mas a verbal. Agressão invisível. Ele, o provedor da casa. Ela, sem alternativa.
A mulher começa um trabalho com moradores de rua. E se apaixona por um, Fábio. Ele, sem bens materiais, lhe oferece o invisível: amor, compreensão, carinho.
Ela abandona o “conforto do lar”, o pão certo, o banho certo, os móveis, o endereço fixo. Vai para os braços aconchegantes do morador de rua. Entra na dimensão deste enorme exército invisível, sem endereço fixo.
A mulher ajuda Fábio em seu processo de recuperação. Ela presta um concurso público para trabalhar com os moradores de rua. Para sua surpresa, é aprovada. Porém enfrenta uma barreira: precisa abrir uma conta bancária para receber seus proventos. O banco exige um endereço de residência. Ela, rua tal, número tal, complemento: calçada.
Olhei sua fotografia de página inteira: bonita, cheia de anéis e tatuagens. Sorriso largo. A estampa de uma guerreira, que lutou por amor e respeito, que se entregou. A antiga estudante de literatura, que não escreveu um livro, escreveu sua própria história.
Teus olhos tinham algo raro: esperança. Teus olhos tinham luz.
Léo
escavação
desvendar a arquitetura da noite sem se deixar distrair pelas cores ser sensível aos contornos escavar a singularidade transformando o negativo no positivo da compreensão dosar serenidade com as inquietações da vida presente ganhando sentido e profundidade pelo passado tecendo futuro chão coberto de lilás nuvens brancas traçando seus desenhos escavar o novo Léo P.S. Estou lendo Um antropólogo em Marte - sete histórias paradoxais, Oliver Sacks, tradução Bernardo Carvalho, Companhia das Letras, SP.