“Sinto às vezes, à noite, o invisível cortejo
De outras vidas, num caos de clarões e gemidos:
Vago tropel, voejar confuso, hálito e beijo
De cousas sem figura e seres escondidos…”
Olavo Bilac
Lembra Guimarães Rosa. Só que em outra dimensão. Juan Rulfo, escritor mexicano, escreveu duas obras: Pedro Páramo, romance, e O Planalto Em Chamas, contos (Editora Paz E Terra). Juan Rulfo é um daqueles escritores onde menos é mais, muito mais.
Em Pedro Páramo os mortos e os vivos convivem simultaneamente. “Este povoado está cheio de ecos. Até parece que estão presos no oco das paredes ou debaixo das pedras. (…). Ouve rangidos. Risos. Uns risos já muito velhos, como que cansados de rir” (p. 38). Os habitantes do meio rural mexicano lidam com a morte e o matar como lugar comum. Um mundo violento. Engraçado. Muito seco. Muita chuva. O narrador fala “de dentro”, nem “de cima”, nem “de fora”. É como se entrasse naquele mundo e abrisse as cortinas. O tempo é um passado em camadas; longínquo. O presente é só do leitor: como se contemplasse estrelas no céu. O tempo atua no espaço. O tempo explica o passado. E tudo isso numa linguagem poética. “Foi numa dessas pausas que ouvi o grito. Era um grito arrastado como o alarido de um bêbado: ‘Ah vida, você não me merece’” (p. 31).
O narrador “de dentro” é o mesmo de O Planalto Em Chamas. Formas de narrar diferentes, boas histórias, histórias insólitas, um mundo dominado por “Dons”- como os nossos coronéis -, revolucionários, pessoas simples do povo. A violência dá o tom. Mas uma violência incorporada. E a poesia persiste: “Mas os caminhos dela eram mais compridos que todos os caminhos em que eu tinha andado na minha vida e até me pareceu que eu nunca terminaria de gostar dela” (p.209). Num dos contos, aprendo que huitacoches são pássaros que se suicidam quando aprisionados (p. 193).
Stephen Hawking fala em onze dimensões no universo. Com Juan Rulfo, vislumbro algumas.
“Depois tudo ficou em silêncio, como se todos, até nós, tivéssemos morrido” (p. 159).
Léo