Flaubert, Um Conto!

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“(…) e, sempre silenciosa, o porte rijo e os gestos comedidos, parecia uma mulher de madeira, funcionando de maneira automática”. Gustave Flaubert.

Flaubert desejava escrever sobre quase nada. E desse “quase nada”, escreve um belo conto: Um coração simples. Félicité é uma criada do século XIX que vive a vida dos outros, em função do outro, sem consciência de si, que funciona “de maneira automática”. Órfã, suas irmãs espalhadas pelo mundo, “o dono de uma granja recolheu-a e a mandou, pequenina ainda, cuidar das vacas no pasto” (p. 21). Desde então sua vida foi trabalho. Levantava-se ao nascer do sol, não perdia missa, suas panelas era um brilho, comia com lentidão; “depois, terminado o jantar, a louça em ordem e a porta bem fechada, (…), adormecia diante do fogo, o rosário na mão” (p. 20). E uma vida de perdas: a garota que cuidara, o sobrinho, o primeiro amor, a patroa. Da felicidade só conheceu de nome.

De um conto sem reviravoltas, praticamente sem enredo, salta o narrador. É ele que dá dimensão, consciência, consistência, à Félicité. “(…) o conto trata com honras de personagem principal uma figura que, o mais das vezes, seria mais uma na multidão (…)” (Samuel Titan Jr.). O narrador dá voz a quem passa despercebida, alguém da massa, do povo, a “mais uma”. Uma que dá consistência à massa, ao dia a dia, à força do cotidiano, às entranhas da rotina. A um coração simples. Para Samuel Titan Jr., o apresentador do livro, há “a aliança tácita entre a criada calada e o narrador reticente, que coloca a serviço dela os recursos mais refinados da arte de narrar”.

Três Contos, de Gustave Flaubert, foi sua última obra concluída. E a Editora Cosac Naify realizou uma edição primorosa (2011). A sobrecapa é a imagem do quadro de Honoré Daumier, A lavadeira

Léo