somos cercados
por ondas eletromagnéticas,
ondas de rádio, micro-ondas,
"radiação infravermelha
emanada de objetos quentes
e de pessoas e animais"
somos atravessados pelo invisível
o mundo é bem mais do que parece!
Léo
Saturno
Saturno devora seus filhos,
na mitologia
assim como o tempo
tão relativo
e de aparência tão concreta
o tempo devora o dia de ontem
o devorado, no entanto,
insiste em espreitar o presente
embriagado do futuro distante
tudo tão denso
que quase esquecemos
do infinito
do sem fim
do sem tempo
do antes, antes, antes,
antes de tudo
mas, Saturno está lá
devorando seus filhos
Léo
cheiro de quintal
acordo com pássaros
gritando sua existência
abro as cortinas
um jardim do outro lado da rua
plantas contentes com o sol
ou a chuva
"se a chuva cair"
no corredor,
caminho pela fresta do sol
avisto um prédio
com jeito de futuro
bem ali
da varanda,
forçando um pouco,
um pedaço de mar
potente
impassível ao meu poema
Léo
paradoxo
gasta-se bilhões
para simular
a vida em Marte,
construir uma infraestrutura elétrica
na lua
e quase nada
para sustentar
este planeta
tão bonito
aqui já tem tudo
Léo
entre tantas coisas
entre tantas coisas,
o corpo desfalecido na praia.
a morte o abraçou no mar
num belo dia de sol
entre tantas coisas,
o corpo ali,
desfalecido na praia
num belo dia de sol
os garotos prosseguiram
com seus castelos de areia.
a barraca do lado,
de som estridente,
nenhum minuto de silêncio.
o vendedor de picolé,
seguiu adiante o seu trajeto.
entre tantas coisas,
o corpo desfalecido na praia
num belo dia de sol
no céu,
nuvens aladas
Léo
reconstrução
no verão,
sentar à sombra
e uma brisa leve
feito carinho
na tarde, praia
o céu pintado de arco-íris
e a lua boiando
em pleno dia
olhar a cidade bonita,
lá de cima,
a vida embaralhada
em contraditórios
aguardar
as folhas de outono
caírem no momento preciso
coalhando o chão
corando a terra
Léo
quimera
quisera eu
escrever o poema
exato
para te capturar
em armadilha
e içá-lo aos meus pés
te torturaria
em pisadas macias
a felicidade
chegando de mansinho
"quero fazer contigo
o que faz a primavera às cerejeiras" (Neruda)
Léo
Cartas de muito longe (11/2009)
Fico pensando em como amo a humanidade. Como a respeito. Mesmo nas suas crueldades, eu a respeito. Lembrar de cenas desta história humana como campos de concentração, guerras absurdas, massacres, corrupção, assassinatos frios… é só lembrar de uma parte do humano. É não ver o todo.
A garra que este ser – que brotou neste planeta de poeira cósmica, da água, sei lá – teve que ter para sobreviver, e criar outra história. Vencer os animais, as forças da natureza, as plantas, outros seres vivos, a falta de explicação, o absurdo da vida. Vencer e dominar, infelizmente numa perspectiva de poder e não de equilíbrio. Mas, até esta história eu respeito. Porque junto com este poder também pousa sua fragilidade.
Veja o apagão, por exemplo. Eu e o Jonas estávamos juntos vendo um filme (cuja ideia era melhor do que o próprio filme) e de repente a escuridão. A noite chuvosa, digna de um filme de terror, só era iluminada pelos faróis dos carros – obra humana. Praticamente o Brasil sem luz. O Jonas me disse: Mãe, a natureza, o planeta, estão cansados de tanta luz. E ficamos conversando sobre assuntos iluminados por aquela escuridão toda: o infinito, o universo, como somos reféns da energia elétrica, coisas assim…
Nos noticiários posteriores assisti os problemas causados pelo apagão: pessoas sem transportes, o caos no trânsito, pessoas morrendo nos hospitais, presas em elevadores, o medo da rua deserta e sem iluminação. Mas, eu e o Jonas tivemos outra experiência. E deve ter tido outras por aí: alguma história de solidariedade, alguém pode ter encontrado seu amor, pessoas podem ter encontrado um desconhecido que as tenham fortalecido naquele momento de medo. Mas, essas histórias dificilmente estarão nos jornais.
Porém, houve uma notícia que gostei demais. Creio que no Ceará, há um campo de “moinhos de vento” modernos: há até um inventor de poste movido a energia do vento; e está construindo um que pode armazenar por uma semana a energia derivada do vento e sol, que pode ser usada em regiões onde o vento não seja abundante. É deste ser humano que falo: o que constrói alternativas.
É, o lodo e o pântano são grandes, enormes, até parecem insuperáveis. Entretanto é preciso enxergar a flor de lótus.
Mas, o que faço com toda essa reflexão? Onde ponho toda essa energia? A energia do vento e do sol podem ser armazenadas por uma semana; a da água não, se ela não for usada imediatamente, se perde.
E a minha?
Léo
construtores
num "desenho mágico"
homens de uniformes azuis
e capacetes
encurralados entre o mar
e sol escaldante
dançando em andaimes
construindo moradas
para outros
sob o risco de "tropeçar no céu"
Léo
varal
as roupas no varal
nuvens como pinceladas
de um pintor delicado
pedido/ordem
devidamente feito
e mandado
e ouvi uma canção no rádio:
"vontade de bater no teu portão/
vontade de pedir um copo d'água/
e assim poder tocar na tua mão"
e vi imagens de Marte
pareciam daqui
tão distante e tão perto
Léo