Matinhos

o mar
"como um lençol estendido"

redes esquecidas
lembrando
o crespo das ondas

surfistas devorando ondas
peixes devorados pelos pássaros

urubus em prontidão
batalha em pleno voo
pelos restos mortais

garças coalhando os telhados
esperando...

areia deslizada pelo vento
ampulheta

barcos de pescadores
com nome de mulheres

e duas casinhas de madeira
com uma placa pomposa:
área militar
perigo de morte

(não é que fiz um poema
fui colhendo...)

Léo

Tropeço

tropeço em pensamentos

povos originários
que cantam porque plantam
que cantam porque colhem
cantam e dançam
porque pertencem ao cosmos

que comem seus inimigos
em sinal de respeito

lapso de tempo

como comer um médico
que deveria transportar a cura
e é o portador do veneno?
como devorar uma sociedade
que transforma o professor
- "transformador do futuro" -
em puxador de riquixás?

lapso de tempo

Julião da Ligas Camponesas
conclamando o tremular das enxadas
símbolo do trabalho e como arma
como a foice e o martelo

Léo

derrame

pedaços, fragmentos, cacos
a ponta do iceberg
manchete sem ler a notícia
tempos modernos

para quê perder tempo em anos de estudo,
se a dancinha no TikTok
é mais garantia?

e a fome pulsando em meio à obesidade

verdades ditadas
em minutos de autoajuda
as palavras, sequestradas

e o menino continua
se virando nos sinais

Léo

capital

há um deus sim
tentando abarcar todos os rincões da Terra
com sua lógica mercantil
um deus que sonha
com sua extensão ao Universo

onipotente, onisciente, onipresente,
transforma tudo e todos em marionetes
negociantes, seus discípulos

ora chamado de mercadoria, dinheiro
destino
acumular é seu verbo infinito
transveste-se de ciência, arte, religião
fluindo pelas igrejas e templos

apresenta-se como essencial, 
fundamental
sempre foi e sempre será
seu grande truque é alegar eternidade
e nós "apenas imagens inúteis"

de criatura, criador

se, se corta sua cabeça 
mas esquece-se do coração,
brota de novo

há um deus sim,
e, contrariando o imposto,
morte ao que nos mata!

Léo