Jaque

A noite ainda não havia findado quando Jaque acorda. Sai de sua tenda e contempla o céu estrelado feito carrossel. Seu sonho palpitando em suas pálpebras: uma cidade branca. Alimenta-se, recolhe seus pertences e sua tenda, suas mercadorias: tecidos. Arruma seus três camelos. E a viagem se inicia da mesma maneira de sempre, seguindo seus instintos.

Depois de longa jornada, Jaque avista, enfim, a cidade de seus sonhos. Uma cidade branca, de escadarias brancas, muros brancos, casas brancas. As ruas ladrilhadas de pedrinhas brancas. Cidade branca sobrevoada de pipas coloridas. Adentra no passo em compasso de seu camelo. Numa pousada, repousa seus camelos cansados; a dona se encanta com seus tecidos; faz-se a troca: tecidos pelo pouso e alimento.

Descansado, Jaque percorre a cidade no entardecer. No ar algo calmo e sereno. Chega numa taberna que tem lenços de seda dependurados do teto, dançarinas seminuas, burburinhos alegres, e cerveja, muita cerveja. Jaque sente-se em casa. Mostra seus tecidos e é cercado pelas bailarinas, clientes, todos se admirando de suas mercadorias. Uma mulher se aproxima. Longos cabelos brancos trançados em fios de ouro, túnica branca com bordados em fios de ouro, sandálias. Senta-se na mesa trazendo-lhe um jarro de cerveja. Quer ouvir suas histórias. Jaque vai contando das cidades que visita, das pessoas que encontra, das noites e dos dias em viagens contínuas. Pergunta-lhe qual é a sua. Ela sorri, diz que conhece o mundo pelos relatos dos visitantes. Nunca saiu de sua aldeia. Ela é sua memória, conhece cada pedra, cada folha, cada árvore, cada pessoa e sua vivência. Só não conhece seu próprio nome e nem sua idade.

Jaque fica na cidade branca por dias. Percorre suas ruas e escadarias. Conhece seus moradores, se interessa por suas histórias, casos, risadas.

Ele e seus camelos descansados. Jaque sabe que chegou a hora de partir.

Sai como chegou: no passo do compasso de seus camelos. Numa certa distância, olha para trás num último adeus. A cidade branca já não está mais lá. A cidade branca já não existe mais.

(Este conto brotou da leitura do belo livro As Cidades Invisíveis, Italo Calvino).

Léo

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