Flora

“Se vocês não gostaram das notícias que acabaram de escutar, saiam de suas casas e façam outras” citado por Eduardo Galeano. 

A grande batalha está prestes a acontecer.

Flora verifica os últimos detalhes com Índio – seu braço direito, mentor e protetor , Elias – do Conselho do Povo da Defesa Aérea e Marta, Conselho do Povo da Defesa Marítima, dentre outros conselheiros. Os informes mundiais dão ânimo ao Exército Negro, porém todos estão apreensivos: o ataque será por ar, mar e terra. Os Vermes Gigantes farão o confronto final.

No longínquo ano de 2020 o mundo foi tomado por um vírus fatal que quase dizimou a humanidade. A guerra das vacinas se alastrou como o vírus e as indústrias farmacêuticas travaram grandes batalhas. A pressa, a disputa, fez com que as fabricassem sem os devidos testes. Os países ricos foram os primeiros compradores. Os ricos os primeiros a tomarem. Foram de fato imunizados, mas uma grande mutação aconteceu: de seres humanos se transformaram em vermes gigantes. Como as doses não eram suficientes, a América Latina, África e uma parte da Ásia, praticamente ficaram de fora, da imunidade do vírus fatal e também da mutação.

O cenário que se seguiu foi devastador: crise econômica sem precedentes, mortes pelo vírus fatal e uma parte da humanidade mutante. Restava aos países pobres se unirem no combate. Enquanto os Vermes Gigantes se espalharam pelos países ricos, Haiti começou uma revolução depondo o governo. Alastrou-se pela América Latina e África. Foi criada a Confederação Socialista. Seu símbolo era um punho cerrado, resgate dos Panteras Negras.

No Brasil, o Instituto Butantã e Fundação Osvaldo Cruz, sob o controle dos trabalhadores, conseguiram  fabricar a vacina categórica contra o vírus. Os revolucionários a distribuíram gratuitamente aos habitantes da Confederação. A grande dificuldade era atingir os pobres dos países ricos, agora dominados pelos Vermes Gigantes.

A luta foi atroz. Os Vermes eram – aparentemente – invencíveis. Além de gigantes, capazes de esmagarem dezenas de uma vez só, soltavam um líquido verde paralisante. Eles se alimentavam de sangue humano e animal. Eram os novos Nosferatus. Os pobres tinham praticamente três opções: ser alimento, ser serviçal atendendo as necessidades dos Vermes ou ser da Resistência Negra, organização treinada pelo Exército Negro da Confederação socialista. Com os Vermes Gigantes a Terra seria desolada. A luta de classes adquiriu novos contornos: humanos pobres versus vermes gigantes.

Flora, Índio, Elias e Marta moravam numa comunidade pobre antes do grande desastre. Lá foram reunidos imigrantes refugiados, índios desalojados de suas terras, os sem moradias, os sem nada. Eles foram aprendendo línguas diferentes, a sabedoria dos pobres e índios, a manejarem arcos, armas; aprenderam capoeira e artes marciais. Flora, negra, filha de refugiados haitianos. Seu pai fora assassinado por policiais – prática bastante comum nos anos 20. Sua mãe foi infectada pelo vírus e faleceu. Sua família ficou sendo Índio, Elias e Marta. Quando a pandemia se concretizou a comunidade se viu abandonada pelo Estado. Organizaram-se em comitês para sua própria defesa e alimentação. Foram educados por um partido socialista e revolucionário que os ensinaram as lições da revolução russa em seus primeiros anos. Aliaram-se com o Movimento dos Sem Terra. Assim se mantiveram. Quando a revolução se alastrou, a comunidade a liderou no Brasil. Tomaram bancos, as fábricas, os hospitais. Os trabalhadores, os pobres, começaram a gerirem tudo. Tomaram a história em suas mãos. Internacionalistas, foram cruciais na expansão da revolução. Fizeram um chamado e construíram a Confederação Socialista, o Exército Negro e a Resistência.

A grande questão era como matar os Vermes Gigantes. Exterminá-los. Tentaram muitas hipóteses: tiro, punhal de prata, bala de prata, raios do sol, banho de lua, sangue envenenado… Nada. Nada os matavam. Foram os franceses da Resistência quem finalmente descobriram a arma fatal: decepar a cabeça. A luta entre os humanos e os Vermes Gigantes se travou em todos os continentes. A Terra era um imenso campo de guerra. Os Vermes Gigantes também se organizaram num exército. 

Antes da batalha final, Flora verifica os detalhes. Ela, Elias e Marta ainda tem tempo para uma grande trepada. E transam como se o mundo fosse acabar. De todas as formas. Beijos, carícias, mãos, línguas, tudo a serviço do gozo. Prazer. Orgasmo. Estão prontos!

A grande batalha se aproxima.

Alvo principal: Flora, comandante do Exército Negro.

P.S. 1- Este conto de ficção científica é fraco, bem sei, mas foi muito divertido escrevê-lo.

P.S. 2 – Lendo um artigo de El País, 25.07.20, sobre Octavia E. Butler, escritora negra norte-americana de ficção científica, é que me veio a ideia. Ela, cansada de ficção científica ruim e de brancos, passou a escrevê-la tendo negros e negras como protagonistas. Claro que ela não tem nenhuma responsabilidade por este conto. Fiz o melhor que pude, ela que me perdoe. 

P.S. 3 – Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. 

Léo

9 comentários em “Flora

  1. Achei que o enredo tem muito potencial, da pra desenvolver isso até mesmo em um romance distopico. Fiquei me perguntando se não teria uma continuação ou se havia uma primeira parte. Show 👏🏾

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  2. Achei divertidíssimo. Sinto falta disso mesmo, de ficção cientifica que tenham como ponto de partida/ponto de vista países periféricos. E a história funciona num nível metafórico também, ajuda a digerir o que esta acontecendo no mundo. Se fosse sugerir algo, bom, nem mesmo vermes gigantes espalhados pelo mundo seriam suficientes para reduzir a desigualdade existente no nosso país. Senti falta, de sei lá, uma elite brasileira dizendo que ser verme é que é o futuro, que nosso país deveria se aliar aos vermes ou qualquer outra coisa nessa linha.

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    1. Que bom que achou divertido. Quanto aos apontamentos que fez, achei interessante. É que aqui a revolução aconteceu, os trabalhadores tomaram conta de tudo… assim os vermes daqui não tiveram chance (risos).

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