“(…) apareceu, um dia, um homem esquisito, que ninguém não podia entender. Mas todos gostaram logo dele, porque era meio doido e meio santo; e compreender deixaram para depois” Guimarães Rosa.
Heráclito expressou a dialética claramente: tudo é e não é, pois tudo flui. Assim escreveu Engels, Do Socialismo Utópico Ao Socialismo Científico (Editora Global, SP, 1986). Na natureza e a história humana, tudo se move e se transforma, nasce e morre. A lógica dialética é a negação do velho, conservação da essência, e a elevação em algo novo. Um exemplo: a árvore, tese; cortada é madeira, antítese; a síntese, a canoa. A canoa nega a árvore, mas conserva a madeira. O novo, a transformação. Que vira tese, que será negada, que será uma síntese. Tudo flui.
Esta é minha leitura de A Hora e a Vez de Augusto Matraga, conto de Guimarães Rosa (Sagarana, Nova Fronteira, RJ, 2001): dialético.
Na tese, “Matraga não é Matraga, não é nada. Matraga é Estêves. Augusto Estêves (…)” (p. 363). Guimarães inicia o conto já negando, apontando a transformação. Nhô Augusto é valentão, é violência pura. Andava “em busca de qualquer luz em porta aberta, aonde houvesse assombros de homens, para entrar no meio ou desapartar” (p. 368). Sua mulher, conhecia e temia seus repentes: “Duro, doido e sem detença, como um bicho grande do mato. E, em casa, sempre fechado em si”. Fora assim desde menino, com a morte do Coronel Afonsão, ficou “com dívidas enormes, política do lado que perde, falta de crédito, as terras no desmando, as fazendas escritas por paga (…)” (p. 369). Mãe morreu “com ele pequeno”, pai era como se não tivesse, tio criminoso. “Quem criou Nhô Augusto foi a avó… Queria o menino p’ra padre…” (p. 370). Foi abandonado pela mulher e a filha “e a casa estava caindo”: perdendo suas fazendas e riquezas, e o “Major mais outros grandes, querendo pegar o senhor na traição” (p. 372-3). Pegou e quase o mata.
Na antítese, Nhô Augusto beira às portas do inferno, renasce, e quer o céu: “Eu vou p’ra o céu, e vou mesmo, por bem ou por mal!… E a minha vez há de chegar… P’ra o céu eu vou, nem que seja a porrete!…” (p. 381). Era não mais ele, mas era ele. Faz confissão, se arrepende, e recebe penitência. O padre dita: “Reze e trabalhe (…). Cada um tem a sua hora e a sua vez” (p. 380). E assim fez. Não fumava, não bebia, sem mulher e sem armas. Só trabalho e reza. “No domingo, tinha o seu gosto de tomar descanso: batendo mato, o dia inteiro, sem sossego, sem espingarda nenhuma (…); e, de tardinha, fazendo parte com as velhas corocas que rezavam o terço ou os meses dos santos” (p. 382). Passou anos nesta transformação. Até que recebe notícias do passado. E até que conhece um bando de valentões de Seu Joãozinho Bem-Bem.
A síntese Guimarães a constrói brilhantemente. Começa com as belezas do sertão e as belezuras continuam até o final. Que não conto. P’ra modo de compadre e comadre lerem. Só adianto que Nhô Augusto torna-se Matraga e que sua hora e vez, chega. E, ai do céu se teve coragem de. E, que com a violência, é que Matraga faz o bem.
Esta é a história de Augusto Matraga, “(…) direitinho deste jeito, sem tirar e nem pôr, sem mentira nenhuma, porque esta aqui é uma estória inventada, e não é um caso acontecido, não senhor” (p. 383).
Guimarães Rosa me alarga o pensamento!
Léo
Este filme vale a pena por causa de algo que foi indicado em 1966 no Festival de Cannes: Nomeado para Palme d’Or (Melhor Filme). A história de Augusto Matraga é muito interessante. Um ótimo roteiro que você resumiu magistralmente como costuma fazer.
Então, meu querido Leo, é um bom incentivo para assistir ao filme. Obrigado pela recomendação e, como sei que você nunca falha, com certeza vou procurar.
Um grande abraço
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Poeta, o filme eu não conheço. Somente o conto, o texto. Fiz uma pesquisa no Google para ver se achava o conto em espanhol, mas não achei. Faz parte do livro Sagarana. Também procurei em espanhol e não achei. Sei que foi traduzido para várias línguas. Creio, poeta, que iria gostar de Guimarães Rosa, pois sua linguagem em prosa é pura poesia. A dificuldade deve ser em traduzi-lo. Vou procurar ver o filme.
Sempre me incentiva teus comentários. Gracias, querido poeta.
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Será uma ótima oportunidade para aprender mais sobre literatura brasileira.
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Delícia de pensamento. Delícia de estória.
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Delícia de irmão.
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Já viestes a Minas? Ou a conheces por Guimarães e Drummonds, Adélias e Sabinos?
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Conheço pouco de Minas. Um pouco mais desses autores… e você.
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Venha a Minas… Minas é logo ali… Ouça aí Almir Sater cantar:
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Bom convite…. Obrigada. Boa semana pra ti, Nina, Sofia, Emanuel… e a lua.
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🌜🌛🌝 Obrigado. Boa semana.
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