O Enigma de Qaf

” (…) o libanês, pegando num pão árabe, começou a explicar que – segundo a crença dos antigos beduínos – a Terra era concebida como um plano circular, à feição daqueles pães. E que Qaf era uma enorme montanha mítica, que circundava, delimitava e mantinha a Terra em equilíbrio” (Alberto Mussa).

 

A leitura de Poemas Suspensos que Alberto Mussa traduziu direto do árabe, levou-me  ao seu romance O Enigma de Qaf (Editora Record, RJ, 2004). Sua principal história está dividida em vinte e oito capítulos, nomeados conforme as vinte e oito letras do alfabeto árabe. E conta ainda com excursos – narrativas mais ou menos relacionadas à intriga dominante – e parâmetros, lendas de heróis árabes. Relacionados, todos, sobre a cultura pré-islâmica.

Lendas, mitos, poemas e o real se entrelaçam num único tecido. Tapeçaria. “A Idade da Ignorância – como ficou conhecida, na história dos árabes, a era que findou com o advento do islamismo – foi um tempo de homens que chegavam a ser mais nobres que os cavalos e de éguas enciumadas da beleza das mulheres” (p. 11-12). Tempo áureo dos poetas do deserto em que a poesia elevou-se em alturas “ainda não atingidas em nenhuma língua, em nenhum século”.

A palavra árabe foi inscrita para designar um nômade montado num camelo em 853 a. C. Para eles, árabe é todo aquele que tem o árabe como língua materna. “São, por esse critério, um único povo, embora estejam divididos em centenas de tribos (…)” (p. 16). As lendas falam de um certo Yarub, o primeiro homem a falar em árabe, e constam que foi seu inventor: “Quero uma língua infinita, em que cada palavra tenha infinitos sinônimos” (p. 16). Os poetas se fartaram nesta busca incessante.

Este povo de poetas foram grandes matemáticos. No período pré-islâmico, acumularam vasto conhecimento em astronomia, criaram a trigonometria, descobriram a álgebra, “e desenvolveram o conceito aritmético mais importante – o do número zero” (p. 147). 

Este livro está recheado de narrativas maravilhosas. Como de Shahrazad, presa numa cadeia infinita de histórias que, no fundo, não passa de uma só. Spíridon, filósofo, que aprendeu a ler papiros egípcios “ao mesmo tempo que dançava nu diante do mar e bebia leite em tetas de jumenta” (p. 88). Zuhayr, que aos “noventa anos, ainda era capaz de dar prazer a onze esposas jovens, simultaneamente” (p. 101). Tem a história do naufrágio de Sinbad; a do Allahdin e da gruta de Ali Babá. 

Qaj é a vigésima primeira letra do alfabeto árabe, inicial de destino e direção. A narrativa principal é a lenda de al-Ghatash que o narrador ouvia de seu avô. “Desde a primeira vez me fascinou aquela história de um poeta que cruzava o deserto em busca de uma mulher desconhecida, de um enigma relacionado a uma fabulosa montanha circular, de um gênio caolho e cego que podia viajar no tempo” (p. 20).

Antônio Torres, na contracapa, afirma que o enigma é o próprio árabe. 

Eu fiquei fascinada.

"Sou imortal:
nunca saberei
quando tiver morrido"
Hárith bin Hilliza.

Léo

2 comentários em “O Enigma de Qaf

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