“(…) mas é preciso estar com as sete portas abertas para saber quando as coisas se modificam” Caio Fernando Abreu.
O Ovo Apunhalado é um livro de contos de Caio Fernando Abreu (Editora L&PM, Porto Alegre, 2001). Publicado originalmente em 1975, mesmo ano de Feliz Ano Novo de Rubem Fonseca (tem um texto neste blog). Dois livros sob o jugo do regime militar. Duas leituras. Dois retratos. Rubem é de uma escrita madura, firme. Caio escreveu o Ovo em 1969 e 1973, um rapaz de vinte e poucos anos. Como diz na Apresentação de 1984, “Tempo de fumaça, de lindos sonhos dourados e negra repressão. (…). Tempos de festa que causou esta rebordosa de agora, e primeiras overdoses (Janis, Jimi). Eu estava lá. Metido até o pescoço: apavorado viajante” (p. 10).
Este livro ecoa dor, busca, tentativas. “Apavorado viajante” aprisionado, porém que segue lutando. Há experimentos quanto à forma, pueris, em minha visão. Contos de ficção científica, que mais lembram prisões. Boa parte do livro não gostei. Concordei com o autor: “Eles se ressentem do excesso: são repetitivos (…), paranoicos (…). Eu só estava tateando (…)” (p.10). É bom também ler um grande autor “tateando”.
Os primeiros contos foram os que me valeram a pena. Réquiem por um fugitivo, exala dor contida. Solidão. Desamparo. Um garoto só, crescendo sem gritos e sem carinho, com uma mãe: “E se é verdade que não chegamos a ter amor um pelo outro, é verdade também que não chegamos a ter ódio” (p. 22). É um conto comovente. Gravata, é a sedução de um objeto; um objeto transformado em símbolo: “– Você é minha. Você não passa de um objeto. Não importa que tenha vindo de longe para pousar entre coisas caras na vitrine de uma loja rica. Eu comprei você” (p. 28). “– Você não passa de um substantivo feminino – disse, e quase sem sentir acrescentou – … mas eu te amo tanto, tanto” (p. 29). Oásis é o golpe militar visto pelos olhos de garoto. O lúdico infantil violentado pelas baionetas do quartel. “Acho mesmo que foi naquela tarde em que visitamos o quartel pela primeira vez que a brincadeira nasceu. Absolutamente fascinados, sentimos necessidade de vê-lo mais e mais vezes, principalmente ficamos surpresos por não termos jamais imaginado quantas maravilhas se escondiam atrás daquele portão branco (…)” (p. 31). ” (…) os soldados já avançavam sobre nós, vermelhos, segurando-nos pelos ombros e nos sacudindo (…)” (p. 35). Em Retratos o narrador é um engravatado, funcionário de escritório que faz cálculos, morador de prédio. Do outro lado da janela, pessoas em avesso: “Nunca havia reparado nele antes. Na verdade não tem nada que os diferencie dos demais. As mesmas roupas coloridas, os mesmos cabelos enormes, o mesmo ar sujo e drogado” (p. 50). O engravatado – vencendo barreiras – se cruza com “ele”, o outro, o sem nome, o sem casa. Que o desenha cada dia da semana. O narrador se vendo enxerga seu cotidiano infernal. E já não cabe mais naquele retrato.
O Ovo Apunhalado é um dos retratos de um período histórico. Retrato de um jovem autor. “Foi numa dessas manhãs sem sol que percebi o quanto já estava dentro do que não suspeitava” (p. 107).
Léo
Amo Caio Fernando Abreu! Que bela resenha, esse livro eu nunca li. Obrigado pela indicação.
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Eu quero lê-lo mais. Conhecê-lo melhor. Obrigada você.
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Ainda não li este autor, mas li o livro do Rubem Fonseca. Lembro que na altura gostei muito. Foi logo a seguir ao lançamento. Por descuido, não sei se voltou a publicar.
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Parece que do Caio o melhor, ou o mais famoso, seja Morangos Mofados. Acho este nome muito bom. Eu só conheço um conto, que gostei muito. Estou à procura. O Ovo… foi o que me surgiu, o que a vida me soltou nas mãos. O Rubem tem muita coisa. O Feliz Ano Novo, também foi a vida que me ofertou. A propósito, gostei da sua viagem. Tem um olhar!
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Sim, fui logo dar um jeito no tal descuido, e vi q escreveu muitos livros. Vou tentar ler alguns.
Obrigada! Vem mais posts sobre esta curta viagem .
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