“O Grande Pássaro alçará voo das costas do grande pássaro, glorificando o ninho em que nasceu” Leonardo da Vinci.

Em 1957, o homem lança no universo o primeiro satélite artificial. Hannah Arendt, em A Condição Humana (Editora Forense Universitária, RJ, 1997), analisa o evento como um alívio para o coração dos homens, “o primeiro ‘passo para libertar o homem de sua prisão na terra’” (p. 9). A humanidade que, com a secularização tinha se libertado do pai, Deus, agora poderia livrar-se da mãe, Terra. “(…) embora os cristãos tenham chamado esta terra de ‘vale de lágrimas’ e os filósofos tenham visto o próprio corpo do homem como a prisão da mente e da alma, ninguém na história da humanidade jamais havia concebido a terra como prisão (…)” (p. 10). Como diz Arthur C. Clarke, 2001/Odisseia Espacial (Expansão Editorial, RJ, 1975): “Estava-se avizinhando a época em que a Terra, como todas as mães, se veria obrigada a despedir-se de seus filhos” (p. 64).
Em 1961, ano em que nasci, o século XXI seria “muito futuro”. Creio que o imaginário coletivo de minha época ficou marcado pelo filme 2001 – Uma Odisseia No Espaço (Stanley Kubrick, 1968). O futuro, o próximo século, teria aquele panorama. Já na década de oitenta, pelo menos dois filmes de ficção científica embalavam nossos temores: Blade Runner – O Caçador De Androides (Ridley Scott, 1982) e O Exterminador Do Futuro (James Cameron, 1984).
Uma professora de sociologia, Célia Tolentino, nos disse que comumente as ficções científicas projetam nossos receios do presente para o futuro: a interferência na natalidade, no prolongamento da vida, no controlar a vida; a substituição do natural pelo artificial; a ciência como um novo deus. “Esse homem futuro (…) parece motivado por uma rebelião contra a existência humana tal como nos foi dada – um dom gratuito do nada (secularmente falando), que ele deseja trocar, por assim dizer, por algo produzido por ele mesmo” (Arendt, p. 10). Nesta década, a de oitenta, o advento da automação pairava como uma ameaça aos trabalhadores. A promessa era de livrar o homem do fardo do trabalho. Entretanto o que se presenciava era o esvaziamento das fábricas da presença humana e o aumento do exército de reserva. A máquina, de auxiliar, transformando-se em substituta. Como em O Exterminador Do Futuro que prevê um sistema de inteligência artificial, Skynet, tomando o poder e convertendo a humanidade em ameaça.
2019 é a época de Blade Runner. Ambientado em Los Angeles, uma metrópole decadente abarrotada de pessoas de todas as raças, poluída, chuvosa, cinzenta. Gigantescos arranha-céus, trabalho informal povoando as ruas, miséria e pobreza se contrapondo a carros que vagueiam pelo céu. Imensos anúncios de neon propagandeando em alta voz: “Uma nova vida espera por você nas colônias interplanetárias. A chance de começar de novo. Uma terra dourada de oportunidades e aventuras!”.
O filme é inspirado em Androides Sonham Com Ovelhas Elétricas?, de Philip K. Dick. No romance, o mundo teria sido devastado por uma guerra mundial em 1992. Restou uma terra em ruínas onde ter um animal vivo era símbolo de status. O grande esforço era o programa de emigração para as colônias – fora da Terra. O grande incentivo era o maior desenvolvimento da ciência: um robô humanoide, um androide orgânico. O emigrante recebia, automaticamente, seu servo androide de escolha para enfrentar um mundo alienígena. Só permaneciam na Terra os chamados “especiais”, os seres humanos biologicamente inaceitáveis. O homem estaria livre de sua prisão na Terra e livre do trabalho, seu pior pesadelo. No filme, o homem que tinha brincado de deus, vê suas criaturas adquirirem consciência e se rebelarem. Os replicantes, os androides, passam a ter as mesmas questões humanas: estão à procura do Pai, querem um tempo maior de vida. No entanto: “Eu vi coisas que vocês não acreditariam… Todos esses momentos se perderão no tempo como lágrimas na chuva. Hora de morrer” diz Roy, um dos replicantes.
Hoje, no século do futuro, não temos viagens interplanetárias como as de 2001 – Uma Odisseia no Espaço; nem Skynet, nem replicantes. O futuro parece velho, apesar de sondas vagando pelos rincões do universo e telescópios poderosos. Talvez nossos temores tenham se aprofundado, pois o próprio planeta e nossa espécie correm risco de extinção.
Termino com Stephen Hawking, Breves Respostas Para Grandes Questões (Editora Intrínseca, RJ, 2018): “(…) existem outros desafios, outras grandes questões no planeta que devemos responder, e elas exigirão uma nova geração interessada, engajada e com compreensão da ciência. (…). Devemos lutar para que todo homem e toda mulher tenham a oportunidade de viver vidas seguras e saudáveis, repletas de oportunidade e amor. Somos todos viajantes do tempo em uma jornada rumo ao amanhã. Mas vamos trabalhar juntos na construção desse futuro, um lugar que queremos visitar” (p. 45).
Léo
Nossa Mana. Viajei com seu texto. Essa “brincadeira” com o tempo me faz pensar muito. Acredito que as perguntas mais recorrentes para a humanidade continuam abertas. Parabéns
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Nossa, irmão, que massa! Muito obrigada!
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